A estiagem na nossa região

A estiagem na nossa região

Durante a breve história da humanidade, cerca de 250 mil anos passamos por muitas eventualidades climáticas. Nosso problema é achar que sempre foi da maneira em que encontramos o clima, não conseguimos imaginar a terra toda gelada como na última glaciação ou era do gelo, que terminou cerca de 10 mil anos atrás. Apesar de

Durante a breve história da humanidade, cerca de 250 mil anos passamos por muitas eventualidades climáticas. Nosso problema é achar que sempre foi da maneira em que encontramos o clima, não conseguimos imaginar a terra toda gelada como na última glaciação ou era do gelo, que terminou cerca de 10 mil anos atrás. Apesar de parecer algo terrível para a sobrevivência, teorias apontam que este período propiciou o homem a colonizar as Américas, se valendo do gelo para transpor certos obstáculos que, em condições como vivemos hoje seria impossível. O gelo foi usado como pontes.

Para demonstrar como o clima muda com frequência, bem mais recente, coisa de 550 anos atrás, na Costa do Pacífico, no Peru, local conhecido como Huanchaquito-Las Llamas, quando o local era habitado pelo povo Chimú, foram encontrados corpos de 140 crianças que foram sacrificadas. Mas o que este relato tem a ver com o clima? Segundo os antropologistas, a razão que levou uma sociedade sacrificar o que se tem de mais valioso, que são as crianças, deveria ter sido para agradar aos seus deuses para uma intervenção no clima. Pelo que estes pesquisadores encontraram junto aos corpos uma grande quantidade de lama, o que sugere que este povo estava sofrendo com os efeitos do nosso já conhecido, o El Niño, que castigava com severas inundações.

Trazendo a questão de clima para mais próximo de nós, podemos notar que o clima está mudando. Se é devido a ação do homem podemos nos perguntar, por que houve as glaciações, se a população humana na Terra naquele tempo era insignificante? Também nos falta registros confiáveis para chegar a conclusões. Se perguntarmos às pessoas mais velhas se houve alguma mudança notável no clima de algumas décadas atrás para hoje, certamente a resposta vai ser afirmativa.

Existe um termo que era muito usado pelos agricultores: “chuva criadeira”. Era a chuva característica dos meses de dezembro e janeiro, quando era comum ter duas ou três semanas com chuva leve, que permitia que a água penetrasse no solo, abastecendo o lençol freático e as nascentes. Outro termo muito usado era “a enchente da goiaba”, que acontecia no mês de março, época em as goiabas estavam maduras e “rodavam” nas enchentes.

Ainda como indicio de que o clima está em constante mudança posso lembrar do meu avô que semeava sua roça de milho no mês de agosto e, é claro, sem fazer uso de irrigação. Quando comecei a trabalhar com agricultura há 35 anos atrás, a empresa que trabalhei plantava as lavouras de algodão no mês de setembro.

Um relato interessante foi publicado em setembro de 1913 em um informativo da época chamado “Boletim de Agricultura”, relatório feito por B. Lorena. Neste relatório é descrito o sistema e volume plantado de batatas nos municípios de Indaiatuba, Monte Mor, Piracicaba e Rio Claro. O mais interessante é que eram feitos dois plantios, um em agosto e outro em janeiro. Primeira observação feita com relação ao clima é que nesta época não era comum o uso de irrigação, então se plantava batatas que seriam molhadas pelas chuvas, ou seja, chovia em agosto. Já para o plantio de janeiro, o fator limitante seria o calor que impediria a tuberização. As variedades plantadas eram de origem inglesas, como a Up-to-date e Early Rose, seriam como as variedades atuais ou até mais sensíveis à altas temperaturas para um bom desenvolvimento. Diante destes fatos podemos concluir que em algumas décadas o clima se tornou mais quente e seco.

Para elaborar esta matéria, recorri a várias informações do índice pluviométrico da região, informações de fazendas que fazem o registro, dos órgãos estaduais (CIIAGRO – Centro Integrado de Informações Agrometeorológicas). Quando observamos um período maior é possível confirmar que existem alguns anos que podemos chamar de discrepantes, ou seja, chovem muito acima da média ou então muito abaixo dela. Poderia colocar aqui um gráfico de dez ou vinte anos de registros pluviométricos, mas seria de pouca valia para entender o que acontece, não só na nossa região, mas em vários outros estados como Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul e Paraná.

A estiagem em que estamos vivenciando este ano pode ser explicado em parte de como foi o regime de chuvas do ano passado (2020). Este foi um dos anos que podemos chamar de discrepante. Choveu no total 1.440 mm (em um ponto de coleta no nosso município) a média de chuva em oito anos no mesmo ponto foi de 1.650 mm, mas para agravar 2020 tivemos pouquíssimas chuvas entre maio e outubro apenas 56 mm, uma chuva de 48 mm em junho e outra de 8 mm em setembro, este período tão longo sem chuvas provocou incêndios devastadores, principalmente no município de São João da Boa Vista. Essa má distribuição vem provocando a continuidade deste déficit que nos impacta este ano.

Todos sabem que quando se fala em milímetros de chuva significa medida do volume distribuído em uma área. Um metro quadrado, como exemplo, uma chuva de vinte milímetros significa que caíram vinte litros de água neste metro quadrado. Quando vemos nas reportagens mostrando alagamentos de cidades, de estradas que se tornam intransitáveis podemos relacionar com o abastecimento dos reservatórios como rios e lençol freático. No entanto, o que podemos observar foi a gradativa mudança no regime de chuvas.

As inundações que temos visto é devido um alto volume em pouco tempo, também são chuvas localizadas. Então, é muito diferente uma chuva de vinte milímetros caindo em meia hora ou a noite toda. Estas chuvas volumosas escorrem em forma de enxurrada não dando tempo para que seja absorvida pelo solo. Se tivermos medido exato um metro quadrado em um solo, e com vinte litros de água, vamos colocar estes vinte litros de maneira gradativa para que não escorra nada e todo os vinte litros entrem no solo. Dependendo do tipo de solo e da declividade pode demorar horas para fazer este trabalho. Isto seria a chuva “criadeira” que os antigos chamavam, aquela chuva fina que cai a noite toda, sem causar inundações ou erosões nos campos cultivados.

Países áridos, que contam com escassez crônica da falta de água dispõem do recurso de explorar os aquíferos, reservatórios de águas profundas, mas esta exploração é de acordo com o volume que este reservatório é abastecido. Em visita a uma região nos Estados Unidos, no estado do Colorado, mais precisamente no vale do Rio São Luis, havia nada menos do que 5 mil pivôs para a irrigação, no entanto, menos da metade deles estavam em operação. Isto devido ao baixo abastecimento do aquífero que naquela região o abastecimento é feito principalmente pelo gelo que se forma nas montanhas durante o inverno. Com a menor formação de gelo, e menor volume de água nos anos anteriores o governo estabeleceu um limite de equipamentos de irrigação que pudesse funcionar.

A água é sem dúvida um recurso precioso, indispensável para a vida. O clima está mudando e contra isso nada podemos fazer. No entanto, podemos pensar em maneiras de conservar os mananciais, escolher sistemas de irrigação mais eficientes, como fazem em locais em que a água é limitada. Práticas de conservação de solo devem ser revistas devido a mudança do regime de chuva para evitar a erosão e o assoreamento dos rios e lagos. Especificamente para nosso município de Vargem Grande do Sul, a região da cabeceira do Rio Verde deveria ter um cuidado especial para garantir o abastecimento seguro da nossa cidade. Seria muito útil a construção de cacimbas ou represas para que a água seja armazenada e parte dela seja infiltrada no solo. Também é sempre bem-vindo o reflorestamento com espécies nativas para que, além de proteger o solo contra a erosão, ajuda no armazenamento e infiltração da água através das suas raízes. Fazendo coisas assim, relativamente fáceis podemos garantir a futuras gerações uma natureza tão boa como a encontramos.

Pedro Hayashi

Engenheiro agrônomo e pesquisador

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